O ano começou como eu sabia há muito tempo que ia começar. E tinha medo. Era, nessa altura, aquele medo que temos das coisas distantes. Tenho-o muitas vezes. É tão aterrorizador, mas ao mesmo tempo a distância traz-me um consolo. É o consolo do célebre "Ai, até lá não me doa a mim a cabeça". E escusado será dizer que até lá a cabeça acaba sempre por doer. Nem que seja quando penso nesse inimigo do futuro.
(Não me bastavam já os do passado...!)
O tempo não pára e mal olho para mim, acordada num dia como os outros, o momento temido chegou. E o consolo da distância desapareceu, mas sou injectada com uma dose de força, de um sentimento de irreversibilidade.
"Aí vou eu, preparada ou não".
E é difícil. Mas temo já não ser tanto como parecia. Vem não sei de onde uma força, ou uma cegueira, que faz esquecer o medo e me faz enfrentar a realidade.
(Ai se um dia essa força me falta...)
E depois passou. E tudo parece tão ridículo como ter medo do papão debaixo da cama aos 19 anos. Mas nada me impede de ter este medo irracional da próxima vez.
Desta vez não passou. Porque desde há dois anos atrás estes medos das épocas de exames vêem e vão, mas deixam sempre um rasto de más notas atrás deles. Que se acumulam.
(E más notas com mais más notas não fazem notas boas...)
E vão alimentando os medos futuros. O medo de um futuro que agora me parece depender tão estreitamente das boas notas que já não tenho.
(Se ao menos não fosse pressionada!)
Aqueles auditórios e salas e testes sugam-me o cérebro, a ambição, a confiança, a vida.
Sinto-me cada vez mais estupidamente emburrecida.
Talvez um dia tudo isto me pareça ridículo. Espero que sim.
Até lá não me doa mais a mim a cabeça.