terça-feira, 10 de novembro de 2009

Daquela janela

O que vês da tua janela?

Esta pergunta não me leva para as minhas janelas, banais de uma cidade dormitório. Delas
vejo prédios com outras janelas, um café com vizinhos anónimos e quase que vejo um pequeno jardim.
Esta pergunta leva-me para uma outra janela. Os Avós chamavam-lhe "janelo", com uma pronúncia deliciosamente engraçada.
Uma janela que ficava numa porta, que podia estar fechada e ninguém para lá olhava, ou podia estar aberta e me dava um cheirinho de rua sem sair de casa, quando já era tarde e não podia sair.
Ficava na porta de uma casa pobre. Mas eu não sabia o que era ser pobre, sabia o que era ser feliz. E isso era-o, nada mais importava.
Porque dentro daquela porta estavam sempre à espera da minha pequenina pessoa, muitos e grandes braços abertos, cheios de um amor que não acabava. E pão com manteiga.
E fora dela ficava uma rua perfeita, enfeitada de vizinhos, intrigas, amigos e brincadeiras. E pulgas.
Foi naquele sítio que eu cresci, foi num "Bairro de Lata" que eu vivi os melhores momentos da minha infância. Para mim não era de lata, era de Ouro, e valia mais que o maior dos palácios.
Aquela janela e aquela porta davam entrada para uma casa que já não existe. Nem a rua, nem o bairro, nem mesmo os Avós. Já nada existe.

Excepto na minha cabeça e no meu coração, que é onde ficam guardadas as coisas boas que já não podemos ver ou visitar.
Mas ficam junto com a mágoa de já não saber se tudo era realmente assim ou se já é em parte imaginado, deturpado pelo nevoeiro dos anos e das novas memórias.
E não há forma de recuperar...

Como era, como quero que tenha sido, não interessa! Deixem-me apenas olhar pela janela da minha memória, ver esse filme e chorar.
De felicidade, saudade, melancolia.