quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Oração de ateu

As circunstâncias da vida levam-nos para longe de pessoas. E levam-nas para longe de nós. A dor de perder alguém para a morte é atroz, mas a dor de perder alguém para a vida tem também que se lhe diga. Conheço as duas, sei do que falo.
Como se não bastasse já a saudade dos que partiram do mundo terreno, vivo ainda pendurada na palermice de pensar em alguém com quem não posso falar. Alguém que não está morto, mas para quem eu morri. Num actual mundo das tecnologias, das comunicações e das ligações, somos seres separados por meros obstáculos emocionais. Obstáculo é sempre obstáculo.

Cheguei então à conclusão que aquilo que faço é rezar. Na minha Enciclopédia da Vida rezar não está ligado à religião. O que faz alguém que reza a deus mais não é do que falar com alguém que não o ouve nem lhe responde. Em nada diferente do que faço. Com a diferença que eu conheci os meus destinatários, eles não conheceram deus. Os crentes rezam na esperança de serem ouvidos e ajudados de alguma forma. Eu apenas o faço com a fantasia de que falem também comigo e que as preces se encontrem algures no tempo, algures... Nada mais peço. Ambas as orações são também desabafos, pensamentos que ninguém quer ou pode ouvir mas que já não cabem dentro da frágil mente humana. São pedaços de dor, saudade e loucura.

Rezo aos meus mortos e aos vivos de alguém.
A minha religião são as pessoas que conheci e amei.

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